Artigo traduzido por Sandra Oliveira. O original está aqui.
A ideia de que a depressão e outras condições de saúde mental são causadas por um desequilíbrio de substâncias químicas (particularmente serotonina e norepinefrina) no cérebro está tão profundamente arraigada na nossa psique coletiva que parece quase um sacrilégio questioná-la.
É claro que a indústria farmacêutica desempenhou um papel na perpetuação dessa ideia. Os medicamentos antidepressivos, que são baseados na teoria do desequilíbrio químico, representam um mercado de 10 bilhões de dólares apenas nos EUA. De acordo com o CDC (Center for Disease Control), 11% dos norte-americanos com mais de 12 anos tomam antidepressivos e são os segundos medicamentos mais prescritos (depois dos medicamentos redutores de colesterol). Os médicos escreveram umas surpreendentes 254 milhões de prescrições de antidepressivos em 2010. (1)
No entanto, independentemente do quão popular esta teoria se tornou, ela está repleta de problemas. Por exemplo:
- Reduzir os níveis de norepinefrina, serotonina e dopamina não produz depressão em humanos, embora pareça fazê-lo em animais.
- Embora alguns pacientes deprimidos tenham baixos níveis de serotonina e norepinefrina, a maioria não tem. Vários estudos indicam que apenas 25% dos pacientes deprimidos têm baixos níveis destes neurotransmissores.
- Alguns pacientes deprimidos têm níveis anormalmente altos de serotonina e norepinefrina, e alguns pacientes sem histórico de depressão têm níveis baixos. (2)
E se a depressão não for causada por um “desequilíbrio químico” afinal? Mais especificamente, e se a depressão em si não for uma doença, mas um sintoma de um problema subjacente?
Isto é exatamente o que a investigação mais recente sobre depressão nos está a dizer. Uma nova teoria chamada “Modelo de Depressão da Citocina Imune” sustenta que a depressão não é uma doença em si, mas sim um “sinal multifacetado de ativação crónica do sistema imunológico”. (3)
Para deixar claro: a depressão pode ser um sintoma de inflamação crónica.
A ligação entre depressão e inflamação
Um grande corpo de pesquisas sugere agora que a depressão está associada a uma resposta inflamatória crónica de baixo grau e é acompanhada por um aumento do stress oxidativo.
Num excelente artigo de revisão de Berk et al, os autores apresentaram várias linhas de evidência apoiando a ligação entre depressão e inflamação: (4)
- A depressão está frequentemente presente em doenças inflamatórias agudas. (5)
- Níveis mais altos de inflamação aumentam o risco de desenvolver depressão. (6)
- A administração de endotoxinas que provocam inflamação em pessoas saudáveis desencadeia sintomas depressivos clássicos. (7)
- Um quarto dos pacientes que tomam Interferon, um medicamento usado para tratar a hepatite C que causa inflamação significativa, desenvolve depressão grave. (8)
- A remissão da depressão clínica está frequentemente associada à normalização dos marcadores inflamatórios. (9)
Durante uma reação inflamatória são produzidas substâncias químicas, chamadas “citocinas”. Estas incluem o fator de necrose tumoral (TNF) α, interleucina (IL) -1, interferon (IFN) e interleucina (IL) -10, entre outros. Os investigadores descobriram, no início da década de 1980, que as citocinas inflamatórias produzem uma ampla variedade de sintomas psiquiátricos e neurológicos que refletem perfeitamente as características definidoras da depressão. (10)
Curiosamente, os antidepressivos (particularmente SSRIs) têm mostrado reduzir a produção de citocinas pró-inflamatórias, como o TNF-α, IL-1, interferon IFN-ɣ e aumentar a produção de citocinas anti-inflamatórias como a IL-10. (11, 12) Também mudam a expressão dos genes de algumas células imunes envolvidas em processos inflamatórios. Isto sugere que os ISRSs são anti-inflamatórios, o que explicaria o seu mecanismo de ação se a inflamação fosse o principal responsável pela depressão.
A pesquisa sobre este tema é robusta e a ligação entre depressão e inflamação está bem estabelecida. Mas se a depressão é causada principalmente pela inflamação, a pergunta óbvia que surge é: “o que está a causar a inflamação?”
Causas comuns de inflamação e depressão
Se acompanha o meu blog há algum tempo, sabe que a inflamação está na raiz de quase todas as doenças modernas, incluindo diabetes, Alzheimer, doenças cardiovasculares, doenças auto-imunes, alergias, asma e artrite. Então, talvez não seja surpresa que a depressão também seja causada pela inflamação.
A desvantagem desta ligação é que a nossa dieta e estilo de vida modernos estão cheios de fatores que provocam inflamação – e, portanto, causam doenças. A vantagem é que, se abordarmos estes fatores e reduzirmos a inflamação, poderemos prevenir e até mesmo reverter as doenças crónicas e inflamatórias que se tornaram um elemento tão importante da civilização industrial.
De acordo com os autores do artigo de revisão de Berk et al referido acima, as seguintes são as causas mais comuns de inflamação associadas à depressão.
Dieta
Existem vários problemas com a dieta moderna. É rica em alimentos que provocam inflamação, como farinha refinada, excesso de açúcar, gorduras oxidadas (rançosas), gorduras trans e uma ampla gama de produtos químicos e conservantes. E é pobre em alimentos que reduzem a inflamação, como gorduras ómega-3 de cadeia longa, alimentos fermentados e fibras fermentáveis. Numerosos estudos associaram a dieta ocidental a grandes transtornos depressivos. (13)
Obesidade
Uma das consequências mais danosas da dieta moderna tem sido o aumento dramático da obesidade. A obesidade é um estado inflamatório. Estudos têm mostrado níveis mais altos de citocinas inflamatórias em pessoas obesas, e a perda de peso está associada à diminuição dessas citocinas. (14) A obesidade está intimamente ligada à depressão, e embora essa relação seja provavelmente multifatorial e complexa, a inflamação parece desempenhar um papel significativo. (15)
Saúde intestinal
As perturbações no microbioma intestinal e o intestino permeável (isto é, a permeabilidade intestinal) demonstraram que contribuem para a inflamação e estão correlacionadas com a depressão. Por exemplo, um intestino permeável permite que endotoxinas chamadas lipopolissacarídeos (LPS) escapem do intestino e entrem na corrente sanguínea, onde provocam a libertação de citocinas inflamatórias, como TNF-α, IL-1 e COX-2. (16) E numerosos estudos associaram mudanças desfavoráveis às bactérias que habitam o nosso intestino com grandes transtornos depressivos. (17)
Stress
O stress pode ser uma das causas mais óbvias de depressão, mas a ligação entre stress e inflamação é menos conhecida. Pesquisas mostraram que o stress psicossocial estimula a rede de citocinas pró-inflamatórias, incluindo aumentos de TNF-α e IL-1. (18) Estes aumentos nas citocinas inflamatórias, por sua vez, estão intimamente relacionados aos sintomas depressivos, como descrito acima.
Atividade física
Há uma enorme quantidade de evidências que indicam que o exercício é um tratamento eficaz para a depressão – em muitos casos, tão eficaz ou mais do que medicamentos antidepressivos. Também há evidências que previne a depressão em pessoas saudáveis, sem sintomas pré-existentes. (19) Curiosamente, enquanto o exercício produz inicialmente as mesmas citocinas inflamatórias que estão associadas à depressão, isso é rapidamente seguido pela indução de substâncias anti-inflamatórias. (20) Isto é conhecido como um efeito hormético, em que um stressor inicial provoca uma resposta compensatória no corpo que tem consequências positivas a longo prazo.
Privação de sono
A falta de sono crónica demonstrou aumentar os marcadores inflamatórios mesmo em pessoas saudáveis. (21) E, embora a privação temporária de sono tenha sido usada para melhorar a depressão terapeuticamente, a falta de sono crónica é um fator bem conhecido que contribui para o desenvolvimento da depressão em primeiro lugar. (22)
Infeção crónica
Infeções crónicas produzem inflamação contínua, então não é nenhuma surpresa ver que a depressão está associada com Toxoplasma gondii, vírus do Nilo Ocidental, Clostridium difficile e outros patógenos. (23, 24, 25)
Cárie dentária e doença periodontal
A cárie dentária e a doença periodontal são outra fonte de inflamação crónica e, portanto, uma causa potencial de depressão. De acordo com um grande estudo de mais de 80.000 adultos, os investigadores descobriram que as pessoas com depressão eram mais propensas a ter perda de dentes, mesmo após o controlo de vários fatores demográficos e de saúde. (26)
Deficiência de vitamina D
Níveis baixos de vitamina D são comuns em populações ocidentais, e há evidências crescentes que ligam a deficiência de vitamina D à depressão. A vitamina D modula as respostas imunes à infeção, incluindo a redução de marcadores inflamatórios, como TNF-α e IL-1, que estão associados à depressão. (27) A suplementação com vitamina D para normalizar os níveis séricos de 25D mostrou reduzir os marcadores inflamatórios em alguns, mas não em todos os casos. (28)
Considerações finais e recomendações
A descoberta, no início da década de 1980, de que as citocinas inflamatórias produzem todos os sinais e sintomas característicos da depressão deveria ter causado um grande impacto. Pela primeira vez, os cientistas descobriram uma classe de moléculas que eram forte e consistentemente associadas à depressão e, quando administradas a voluntários saudáveis, produziam todos os sintomas necessários para o diagnóstico de depressão.
Infelizmente, a teoria do “desequilíbrio químico” continua a ser o paradigma dominante para a compreensão da depressão quase 30 anos após essa enorme descoberta, apesar da fraca correlação entre serotonina, noradrenalina e dopamina e sintomas depressivos. Provavelmente há vários motivos para isso – e estaria correto se adivinhasse que alguns deles são financeiros -, mas deixarei essa discussão para outra ocasião.
O significado desta descoberta é enorme – tanto para pacientes quanto para clínicos. Ele muda o nosso foco de ver a depressão como sendo uma doença causada por um desequilíbrio químico, que muitas vezes requer medicação para corrigir, para ser um sintoma de um problema subjacente mais profundo. Também leva a caminhos completamente novos de tratamento – muitos deles mais eficazes e seguros do que os antidepressivos.
Entender as raízes físicas da depressão pode ter um efeito profundo nas pessoas que sofrem com isso. Embora o estigma em torno da depressão tenha diminuído nos últimos anos, muitos dos que estão deprimidos ainda carregam o fardo de pensar que há algo de errado com eles, e a depressão que sentem é “culpa deles”. Quando os meus pacientes com depressão aprendem que há uma causa fisiológica subjacente para os seus sintomas, geralmente sentem uma tremenda sensação de alívio e empoderamento. Além disso, quando abordamos essa causa subjacente, o seu humor melhora drasticamente e rapidamente percebem que o autojulgamento e a vergonha que sentiam por estar deprimidos eram equivocados e injustificados.
Não pretendo sugerir que fatores emocionais e psicológicos não desempenham um papel importante na depressão. Em muitos casos desempenham, e escrevi sobre esse assunto antes no ChrisKresser.com. No entanto, a suposição de que a depressão é causada exclusivamente por esses fatores não é, obviamente, verdadeira, e muitas vezes essas outras causas subjacentes potenciais não são exploradas. O médico prescreve um antidepressivo, o paciente o toma e esse é o fim da conversa.
Com isto em mente, o que pode fazer se estiver a sofrer de depressão? Siga estes dois passos:
- Adote uma dieta e um estilo de vida anti-inflamatórios. Isso significa comer uma dieta rica em nutrientes, com alimentos integrais, dormir o suficiente, controlar o stress, praticar atividades físicas apropriadas (não muito pouco nem em demasia) e nutrir o seu intestino. Para mais informações sobre como fazer isso, veja meu livro The Paleo Cure.
- Investigue outras causas subjacentes da inflamação. Por conta própria ou com a ajuda de um bom praticante de medicina funcional, explore outras possíveis causas de inflamação que possam estar a contribuir para a depressão. Estes incluem problemas intestinais (SIBO – Small Intestinal Bacterial Overgrowth (sobrecrescimento de bactérias no intestino delgado), intestino permeável, disbiose, infeções, etc.), infeções crónicas (virais, bacterianas, fúngicas), baixos níveis de vitamina D, cárie dentária e doença periodontal, exposição a metais pesados e bolor ou outras biotoxinas, apneia do sono obstrutiva e muito mais.
Nota da tradutora: Se queres saber mais sobre alimentação saudável podes ler este artigo. Se queres saber mais sobre que exercício físico podes fazer para promover a tua saúde podes ler este artigo.