Artigo traduzido por Sandra Oliveira. O original está aqui.
Já ouviste? Há um novo estudo sobre “a carne vermelha vai-te matar”. Desta vez, é cancro colo-retal.
Aqui está o comunicado de imprensa.
Aqui está o estudo completo.
Eu já cobri isto há alguns domingos atrás em “Sunday with Sisson”. Se não se inscreveu, eu recomendo. SWS é onde me aprofundo nos meus hábitos, práticas e observações, relacionados e não relacionados com a saúde – coisas que não encontra no blog. De qualquer forma, pensei em expandir a minha resposta a este estudo aqui hoje.
Como o estudo foi conduzido
É a história básica que vemos com a maioria destes estudos observacionais. Cerca de 175.000 pessoas foram solicitadas a lembrarem-se o que comiam regularmente – um questionário de frequência alimentar. Este é o questionário exato, na verdade. A equipa de investigação pegou nas respostas, mediu algumas características básicas de todos os indivíduos – nível socioeconómico, níveis de exercício, se eles fumavam, nível de escolaridade, ocupação, história familiar de cancro colo-retal e algumas outras – e fez o seguimento dos participantes uma média de 5,7 anos depois para ver quantos tinham desenvolvido cancro colo-retal.
O que o estudo “mostrou”
Aqueles que consumiam quantidades moderadas de carne vermelha tinham uma possibilidade 20% maior de contrair cancro.
E no final, o aumento do risco foi um risco relativo. Não foi um aumento absoluto de 20% no risco. Foi um aumento relativo no risco. Os sujeitos começaram com um risco de 0,5% de contrair cancro do intestino. Naqueles que comeram mais carne processada e carne vermelha, esse risco aumentou 20% – para 0,6%!
De 0,5 para 0,6%. Claro, isto é um aumento, mas é algo para reformular toda a sua dieta? Para desistir das melhores fontes de zinco, ferro, vitaminas do complexo B, proteína, carnosina, creatina? Tudo isto por um mísero 0,1% que nem sequer foi estabelecido como causal?
Resultados do estudo que a maioria dos canais de notícias não incluem
Uma questão que salta à vista: a ligação entre a carne vermelha não processada e o cancro do cólon não era, na verdade, estatisticamente significativa. Apenas a carne processada foi significativamente associada ao cancro do cólon.
Outra questão: a carne vermelha, processada ou não, não teve associação significativa com o cancro colo-retal em mulheres. Por que é que não destacaram o facto de que, em mulheres, comer carne vermelha era completamente não relacionado? Isto é metade da população do mundo. É você ou a sua mãe, a sua filha, a sua avó, a sua namorada. E, a menos que olhassem para o estudo completo e lessem as letras miúdas, nunca saberiam que a carne vermelha tinha, na verdade, a relação oposta. Seria de pensar que os autores quereriam mencionar isto no resumo ou ver que os comunicados de imprensa e os meios de comunicação social destacavam esse facto.
É provavelmente porque mencionar que a carne vermelha era neutra em mulheres e não tinha uma ligação estatisticamente significativa ao cancro de cólon em homens e mulheres teria destruído o seu caso de carne vermelha como um carcinogénico independente. Veja, os carcinogénicos são supostamente cancerígenos. Existem muitas diferenças significativas entre homens e mulheres, mas um veneno é um veneno.
Qual é o mecanismo proposto para o consumo de carne vermelha despoletar cancro do cólon em homens, mas não em mulheres? Se eles não tinham um (e eu imagino que eles teriam mencionado se tivessem), então provavelmente há algo mais a acontecer.
Além disso, a literatura está longe de ser inequívoca.
O que outras pesquisas dizem sobre carnes vermelhas e cancro do intestino
Em análises que incluem a consideração de métodos de cocção e outros fatores atenuantes, a carne vermelha não tem relação com o cancro do cólon.
Ou que tal este estudo, onde os pacientes com cancro de cólon eram mais propensos a comer carne vermelha, mas menos propensos a ter diabetes tipo 2? As pessoas devem evitar a carne vermelha e fazerem com que sejam diagnosticadas com diabetes tipo 2?
Ou que tal este estudo, que não encontrou diferenças nas taxas de cancro colo-retal entre pessoas que ingeriram dietas sem carne vermelha e pessoas que consumiram dietas contendo carne vermelha? Não deve a dieta sem carne vermelha ter algum efeito?
Ou este estudo clássico, em que os ratos numa dieta à base de bacon tinham as taxas mais baixas de cancro do cólon. De facto, o bacon protegeu-os do cancro do cólon após lhes ter sido dado um promotor de cancro do cólon, enquanto que os ratos com ração “saudável” normal não.
O ponto cego na pesquisa da carne vermelha
Eu não preciso entrar em todos os fatores confusos que podem predispor os amantes da carne vermelha convencional ao cancro do intestino. Nem vou mencionar que é impossível controlar totalmente variáveis como pães e batatas fritas com as quais você come a carne vermelha e os óleos de sementes industriais em que ela é cozinhada.
Esta última parte é crucial: os óleos de sementes. É o que escapa a quase todos os pesquisadores de cancro. Não é apenas uma variável secundária; é possivelmente o determinante mais importante se a carne é carcinogénica no cólon ou não. O ferro heme – o composto exclusivo da carne vermelha que geralmente leva a culpa por qualquer aumento no cancro – é mais carcinogénico na presença de ácido linoleico, ácido graxo ómega-6.
Num estudo, a administração de ferro heme a ratos promoveu o cancro de cólon apenas quando alimentados conjuntamente com óleo de cártamo, com alto teor de ácido linoleico. A alimentação com azeite, rico em MUFA’s e muito mais estável em termos de oxidação, em conjunto com o ferro heme impediu a carcinogénese do cólon.
Outro estudo teve resultados semelhantes, descobrindo que carnes contendo quantidades médias a altas de heme – carne bovina e choriços de sangue de vaca – promoviam condições carcinogénicas no cólon quando as fontes de gordura eram milho rico em ácido linoléico e óleo de soja.
E mais recentemente este artigo. Os ratos foram divididos em três grupos. Um grupo recebeu ferro heme e PUFA ómega-6 (de óleo de cártamo). Um grupo recebeu ferro heme e PUFA ómega-3 (de óleo de peixe). O terceiro grupo recebeu ferro heme e gordura saturada (a partir de óleo de coco totalmente hidrogenado, que contém zero PUFA). Para determinar a carcinogenicidade de cada regime de alimentação, os investigadores analisaram o efeito que a água fecal dos animais (que é exatamente o que parece) tinha nas células do cólon. A água fecal de ambos os grupos PUFA estava cheia de indicadores carcinogénicos e subprodutos da oxidação lipídica e a exposição das células epiteliais do cólon à água fecal de camundongos alimentados com PUFA era tóxica. A água fecal derivada do óleo de coco não apresentava marcadores de toxicidade ou oxidação lipídica.
Eu nunca vejo estes estudos (animais) citados nos estudos observacionais sobre carnes e cancro do cólon. Eu acho que isso é um enorme ponto cego e é uma das razões pelas quais eu raramente dou algum crédito a estes estudos que soam assustadores.
Por hoje é isto, pessoal. Obrigado pela leitura. Agora vão desfrutar de um bife.
Referências:
Bylsma LC, Alexander DD. A review and meta-analysis of prospective studies of red and processed meat, meat cooking methods, heme iron, heterocyclic amines and prostate cancer. Nutr J. 2015;14:125.
Alsheridah N, Akhtar S. Diet, obesity and colorectal carcinoma risk: results from a national cancer registry-based middle-eastern study. BMC Cancer. 2018;18(1):1227.
Rada-fernandez de jauregui D, Evans CEL, Jones P, Greenwood DC, Hancock N, Cade JE.Common dietary patterns and risk of cancers of the colon and rectum: Analysis from the United Kingdom Women’s Cohort Study (UKWCS). Int J Cancer. 2018;143(4):773-781.
Nota da tradutora: em Portugal a notícia saiu, por exemplo, aqui, aqui e aqui.